Yoga
- Gabriel Garcia Borges Cardoso

- 23 de jul.
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A Yoga constitui muito mais do que um mero sistema de exercícios físicos. Como define Basavaraddi (2015):
Yoga is essentially a spiritual discipline based on an extremely subtle science, which focuses on bringing harmony between mind and body. It is an art and science of healthy living. Tradução: A Yoga é essencialmente uma prática espiritual baseada em uma ciência extremamente sutil, que se concentra em promover harmonia entre a mente e o corpo. Ela constitui uma arte e uma ciência do viver saudável.
Etimologicamente, o termo "Yoga" deriva da raiz sânscrita "Yuj", significando "unir" ou "conectar". Essa união refere-se, primordialmente, à integração da consciência individual (Jivatman) com a Consciência Universal (Paramatman), alcançando um estado de perfeita harmonia entre mente, corpo, o ser humano e a natureza (Basavaraddi, 2015; Jess Doshi, 2021). Esse estado de libertação (Moksha, Kaivalya, Nirvana) representa o ápice da prática yogika, transcendendo todo sofrimento e realizando o potencial mais elevado do ser humano (Basavaraddi, 2015; Doshi, 2021).
Origens antigas e período Pré-Védico (antes de 1500 a.C.)
As origens da Yoga são incertas, sendo anterior até mesmo às primeiras religiões organizadas. Basavaraddi (2015) e Mariam (2016) concordam em apontar a figura do Adiyogi (o primeiro Yogi), frequentemente associado à divindade Shiva, como a fonte primordial do conhecimento yogika.
Segundo a tradição, há milhares de anos, nas margens do lago Kantisarovar nos Himalaias, Adiyogi transmitiu sua sabedoria aos Saptarishis (Sete Sábios), entre os quais estava Agastya Muni, encarregado de disseminar a Yoga pelo subcontinente indiano (Basavaraddi, 2015; Mariam, 2016; Doshi, 2021).

Evidências arqueológicas sustentam a presença da Yoga na antiga Civilização do Vale Indo-Sarasvati (2700 a.C.). Selos e fósseis desta civilização retratam figuras em posturas claramente identificáveis como Yogasanas e à Sadhana (prática espiritual) yogika, incluindo símbolos que sugerem práticas precursoras do Tantra Yoga (Basavaraddi, 2015; Doshi, 2021).
Este é o chamado período Pré-Védico, onde a prática era transmitida diretamente pelo Guru (mestre) ao shishya (discípulo), integrada aos rituais e à vida cotidiana, com ênfase na adoração solar (possivelmente origem do Surya Namaskar) e no controle da respiração (Pranayama) como parte do ritual (Basavaraddi, 2015; Mariam, 2016).
Período Védico (1500 - 500 a.C.) e Pré-Clássico (500 a.C. - 200 d.C.)
O termo "Yoga" surge explicitamente pela primeira vez no Rig Veda, o mais antigo dos textos védicos, datado aproximadamente de 1500 a.C. (Doshi, 2021). A Yoga Védica ou Arcaica era profundamente ritualística. Os Vedas (Rig, Yajur, Sama, Atharva) contêm hinos, mantras e descrições de rituais (yajnas) realizados pelos rishis, visando conectar-se com o mundo espiritual e alcançar a iluminação. O Atharva Veda (900 a.C.) já enfatiza o controle da respiração (Pranayama) (Doshi, 2021; Basavaraddi, 2015).
O período seguinte, conhecido como Pré-Clássico, é marcado pelo surgimento das Upanishads (cerca de 200 textos, dos quais 20 são especificamente Yoga Upanishads) e de obras épicas como o Mahabharata (que inclui o Bhagavad Gita) e o Ramayana.
As Upanishads exploram profundamente a natureza do Ser (Atman) e da Realidade Última (Brahman), detalhando técnicas yogikas como Pranayama, Pratyahara (retração dos sentidos), Dhyana (meditação) e o uso de sons (mantras) (Doshi, 2021; Basavaraddi, 2015).
O Bhagavad Gita (500 a.C.) representa um marco, sistematizando três caminhos principais (Margas) para a realização: Karma Yoga (Yoga da ação desinteressada), Bhakti Yoga (Yoga da devoção) e Jnana Yoga (Yoga do conhecimento discernimento) (Basavaraddi, 2015; Doshi, 2021; The Yoga Institute). A Gita define Yoga como "Samatvam" – equanimidade, um estado de equilíbrio perfeito (Doshi, 2021). Neste período, a Yoga também se integrou profundamente ao Jainismo (através de Rishabha e Mahavira, enfatizando a libertação do espírito e a meditação) - uma antiga religião indiana que enfatiza a não violência (ahimsa) e a busca pela liberação espiritual através do autodomínio - e ao Budismo (com o próprio Buda praticando e ensinando meditação e posturas yogikas como caminho para a iluminação) (Mariam, 2016; Doshi, 2021; Basavaraddi, 2015).
Período Clássico (200 d.C. - 800 d.C.)
O Período Clássico é marcado pela obra de Maharishi Patanjali, os Yoga Sutras (200-400 d.C.). Patanjali não inventou a Yoga, mas foi o responsável por compilar, sistematizar e codificar o vasto conhecimento e as práticas yogikas existentes até então (Basavaraddi, 2015; Mariam, 2016; Doshi, 2021; The Yoga Institute).
Seu texto estabelece a Ashtanga Yoga (Yoga dos Oito Membros), também conhecida como Raja Yoga (Yoga Real):
Yama (Restrições Éticas): Não-violência (Ahimsa), Verdade (Satya), Não-roubar (Asteya), Continência (Brahmacharya), Não-possessividade (Aparigraha).
Niyama (Observâncias): Pureza (Saucha), Contentamento (Santosha), Disciplina (Tapas), Autoestudo (Svadhyaya), Entrega ao Divino (Ishvara Pranidhana).
Asana (Posturas Físicas Estáveis e Confortáveis).
Pranayama (Controle e Expansão da Energia Vital através da Respiração).
Pratyahara (Retração dos Sentidos).
Dharana (Concentração).
Dhyana (Meditação, Fluxo Contínuo de Atenção).
Samadhi (Superconsciência, Estado de União).
Patanjali define a Yoga como "Yogash Chitta Vritti Nirodha" - a suspensão/remoção das flutuações da mente. O primeiro comentário (Bhāṣya) sobre os Yoga Sutras, atribuído a Veda Vyasa, foi escrito neste período, consolidando a filosofia e sua relação com o Samkhya (Basavaraddi, 2015; The Yoga Institute; Doshi, 2021).
Período Pós-Clássico (800 d.C. - 1700 d.C.)
Este período viu um deslocamento do foco puramente meditativo do Raja Yoga para a exploração do potencial do corpo físico como veículo para a iluminação. Surge, assim, o Hatha Yoga, com o objetivo de purificar o corpo físico e energético (Nadis e Chakras) para prepará-lo para estados meditativos mais elevados e o despertar da energia Kundalini.
Grandes mestres (Natha Yogis) como Matsyendranatha, Gorakshanatha, Swatmarama Suri (autor do Hatha Yoga Pradipika) e Gheranda (autor do Gheranda Samhita) compilaram textos fundamentais que detalham as práticas de:
Asanas (posturas, com descrições mais detalhadas);
Pranayamas (técnicas respiratórias complexas);
Shatkarmas (seis técnicas de purificação física - Neti, Dhauti, Nauli, Basti, Kapalabhati, Trataka);
Mudras (selos, gestos que direcionam energia);
Bandhas (contrações que bloqueiam e redirecionam a energia).
Escolas como o Shadanga-yoga (6 membros), Chaturanga-yoga (4 membros) e Saptanga-yoga (7 membros) refletem diferentes sistematizações do Hatha Yoga (Basavaraddi, 2015; Doshi, 2021). Simultaneamente, grandes filósofos e santos como Adi Shankaracharya (que revitalizou o Jnana Yoga e Advaita Vedanta), Ramanujacharya, Madhavacharya, Tulsidas, Surdas, Purandardasa e Mirabai contribuíram imensamente para o desenvolvimento do Bhakti Yoga e da filosofia espiritual indiana, integrando conceitos yogikas (Basavaraddi, 2015; Doshi, 2021).
Período Moderno (1700 d.C. - presente)
O Período Moderno é caracterizado pela difusão da Yoga para o Ocidente e sua adaptação ao contexto contemporâneo. Alguns personagens foram fundamentais:
Swami Vivekananda: Apresentou a filosofia Vedanta e Raja Yoga ao Ocidente no Parlamento das Religiões de Chicago (1893).
Sri Ramakrishna Paramahansa e Ramana Maharshi: Enfatizaram a experiência direta do divino e práticas de autoinquirição (Jnana Yoga).
Paramahansa Yogananda: Autor de "Autobiografia de um Iogue", popularizou a Kriya Yoga no Ocidente.
Shri T. Krishnamacharya: Considerado o "pai da Yoga moderna", revitalizou o Hatha Yoga e foi mestre de discípulos que fundaram linhagens influentes: B.K.S. Iyengar (precisão e alinhamento), K. Pattabhi Jois (Ashtanga Vinyasa Yoga), T.K.V. Desikachar (Viniyoga), e Indra Devi (popularização).
Swami Sivananda e Swami Satyananda Saraswati: Fundadores de grandes instituições (Divine Life Society, Bihar School of Yoga) que sistematizaram e disseminaram práticas integrando Hatha, Raja, Karma, Bhakti e Jnana Yoga.
Shri Yogendraji (The Yoga Institute): Pioneiro na simplificação e adaptação das técnicas de Hatha Yoga (Asanas, Pranayamas, Kriyas) para a prática regular e benefícios de saúde acessíveis a todos (The Yoga Institute).
Swami Kuvalayananda: deu ênfase na pesquisa científica;
Sri Aurobindo (Yoga Integral);
Maharishi Mahesh Yogi (Meditação Transcendental).
Nesse período, a Yoga expandiu-se globalmente, gerando inúmeras escolas e estilos (Vinyasa, Power Yoga, Yin Yoga, etc.), muitas vezes focando nos aspectos físicos (Asana) e de bem-estar. Instituições de ensino (universidades, institutos, faculdades de naturopatia), centros de terapia e pesquisa proliferaram, solidificando a Yoga como um campo de conhecimento e prática aplicável (Basavaraddi, 2015; Doshi, 2021). Um marco simbólico foi a instituição do Dia Internacional da Yoga (21 de Junho) pela ONU em 2014 (Doshi, 2021).
Escolas Tradicionais e Práticas Essenciais
A riqueza da tradição yogika manifesta-se na diversidade de suas escolas tradicionais, cada uma com ênfase específica, porém convergindo para o objetivo último de libertação e união: Jnana Yoga (conhecimento), Bhakti Yoga (devoção), Karma Yoga (ação), Raja Yoga (mente/meditação), Hatha Yoga (corpo/energia), Kundalini Yoga (energia serpentina), Mantra Yoga (sons), Laya Yoga (dissolução), entre outras (Basavaraddi, 2015; The Yoga Institute).
As práticas fundamentais (Sadhana) abrangem um espectro vasto, indo muito além das posturas físicas:
Yama e Niyama: Base ética e disciplinar indispensável.
Asana: Desenvolvimento de estabilidade, conforto e saúde física como base para práticas internas.
Pranayama: Consciência e controle da respiração e da energia vital (Prana), atuando como ponte entre corpo e mente.
Pratyahara: Interiorização, desligando-se dos estímulos sensoriais externos.
Dharana, Dhyana, Samadhi: Os estágios internos, culminando na meditação profunda e estados de superconsciência (Samadhi).
Bandhas e Mudras: Técnicas avançadas de controle energético.
Shatkarmas: Técnicas de purificação física.
Yuktahara: Dieta e nutrição adequadas e conscientes.
Mantra Japa: Repetição de sons sagrados para focar a mente e vibrar em sintonia.
Apesar desta diversidade, como ressalta Basavaraddi (2015), a essência da Yoga Sadhana reside na prática de Dhyana (Meditação), conduzindo à autorealização e transcendência.
A popularização global da Yoga trouxe benefícios inegáveis em termos de saúde física e mental, mas também gerou críticas sobre uma possível deturpação de sua essência espiritual e holística. Jess Doshi (2021) sintetiza essa crítica:
In ancient times, man understood the true essence of Yoga... However, in current times, the spoken benefits of Yoga are limited to fitness, flexibility and ridding oneself of physical disabilities... With the incessant popularity of only Asanas, the people of the world seem to have left behind the eight limbs of Yoga - only one of which is Asanas. Tradução: Na antiguidade, o homem compreendia a verdadeira essência da Yoga... Contudo, nos tempos atuais, os benefícios propagados da Yoga limitam-se à aptidão física, flexibilidade e superação de deficiências corporais... Com a popularidade incessante apenas das Asanas, as pessoas ao redor do mundo parecem ter deixado para trás os oito membros da Yoga — dos quais as Asanas são apenas um.
Basavaraddi (2015) corrobora, lembrando que nos Yoga Sutras, apenas três aforismos são dedicados a Asanas, sendo o Hatha Yoga um processo preparatório para sustentar níveis mais elevados de energia e consciência. A ênfase excessiva no aspecto físico pode distanciar os objetivos mais profundos de autoconhecimento, integração, ética (Yama/Niyama) e transcendência (Samadhi). Contudo, observa-se uma tendência crescente de resgate dessas dimensões mais profundas. Instituições tradicionais e professores comprometidos buscam reafirmar a Yoga como uma tecnologia interior para o bem-estar integral, que transcende religiões, crenças ou culturas específicas (Basavaraddi, 2015; Doshi, 2021). Eventos como a pandemia de Covid-19 têm catalisado uma busca por significado e práticas que promovam resiliência mental e paz interior, reacendendo o interesse pelas raízes espirituais e filosóficas da Yoga (Doshi, 2021).
Referências:
BASAVARADDI, Ishwar V. Yoga: Its Origin, History and Development, In.: Ministry of External Affairs, 2015. Disponível em: https://www.mea.gov.in/search-result.htm?25096/Yoga:_su_origen,_historia_y_desarrollo
DOSHI, Jess. A Brief History of Yoga. In.: Drishti ias blog, 2021. Disponível em: https://www.drishtiias.com/blog/a-brief-history-of-yoga
MARIAM, Hena. History of Yoga - Vedic, Pre-classical, Classical, Post-classical & Modern Yoga. In.: Medindia's, 2016. Disponível em: https://www.medindia.net/health/yoga/history-vedic-yoga.htm
THE YOGA INSTITUTE. Yoga Clássica. Disponível em: https://artsandculture.google.com/story/gwVxunEURQhlKg















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