Tango
- Gabriel Garcia Borges Cardoso

- há 13 minutos
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O Tango, manifestação artística multifacetada que compreende dança, música e poesia, emerge como um dos pilares da identidade cultural argentina. Suas origens remontam ao final do século XIX, especificamente nas margens do Rio de la Plata, que separa Argentina e Uruguai. O contexto sócio-histórico de Buenos Aires, e da Argentina como um todo, foi fundamental para a sua formação, caracterizado por um acelerado processo de modernização, crescimento das exportações e, sobretudo, por uma imigração massiva de europeus entre 1880 e 1930 (Romero, 2012). Nesses subúrbios portuários, habitados por uma população heterogênea de operários, afro-argentinos, imigrantes europeus e caribenhos, deu-se a "mistura" cultural que originou o Tango (Castro, 2023; Argentina, 2019).
A formação do Tango é, portanto, o resultado de uma síntese de diversas influências culturais, tendo influências da habanera cubana, milonga espanhola e argentina, do candombe uruguaio de matriz africana e da polca europeia (Gulledge, 2016; Cia das artes, 2020; Pampeano, 2019). Essa fusão originou um estilo musical, inicialmente executada por conjuntos que utilizavam violino, violão, flauta e, posteriormente, o bandoneón, instrumento que se tornaria emblemático do gênero (Cia das artes, 2020; Castro, 2023).
Em sua origem, o Tango era uma expressão das classes marginalizadas, dançado em bares, cafés e prostíbulos. Inicialmente, era comum que homens dançassem entre si para praticar, uma vez que a dança entre casais abraçados era considerada obscena (Cia das artes, 2020).
A consolidação e difusão do Tango ocorreram paralelamente à busca por uma identidade nacional argentina. Na década de 1920, o gênero se diferenciou em três variantes principais: o tango-canção, as formas instrumentais líricas (tango-romanza) e o tango-milonga, mais rítmico (Romero, 2012). Foi também nesse período que Carlos Gardel, o maior ícone do tango, redefiniu o gênero ao estabelecer uma maneira única e estilizada de cantá-lo, elevando o tango-canção e transformando-se em um mito cultural (Castro, 2023; Argentina, 2019). Paralelamente, figuras como Julio De Caro modernizaram a música instrumental, dando início à "Guarda Nueva", um movimento de renovação estética (Argentina, 2019).
A internacionalização do Tango foi um passo crucial para a sua legitimação dentro da própria Argentina. No início do século XX, dançarinos viajaram para a Europa, onde Paris, Londres e Berlim se renderam à sua sedução (Gulledge, 2016; Pampeano, 2019). O sucesso no exterior, particularmente em Paris por volta de 1910, fez com que as elites argentinas, que antes o rejeitavam, o abraçassem como um símbolo de identidade nacional (Argentina, 2019). Nos Estados Unidos, o Tango também chegou, ainda que inicialmente em um ritmo mais acelerado, adaptado ao gosto local (Gulledge, 2016).
A trajetória do Tango, no entanto, não foi linear e esteve intrinsecamente ligada aos altos e baixos políticos e econômicos da Argentina. O gênero enfrentou duas grandes crises identitárias, coincidindo com rupturas políticas: em 1930, após o golpe militar que derrubou Hipólito Yrigoyen, e em 1955, com a derrubada de Juan Perón (Romero, 2012).
O governo peronista (1946-1955) havia sido um período de apogeu, a chamada "Época de Ouro", onde políticas culturais, como o primeiro Plano Quinquenal de 1945, incentivaram orquestras, cantores e bailes populares (Argentina, 2019). Com a queda de Perón e a instauração de uma ditadura militar que proibiu reuniões públicas, o Tango foi forçado a um ostracismo, já que as milongas – os tradicionais salões de dança – foram fechadas, impedindo a transmissão do conhecimento entre as gerações (Gulledge, 2016; Romero, 2012).
O renascimento do Tango em escala global ocorreu na década de 1980, impulsionado pelo retorno à democracia na Argentina e pelo sucesso estrondoso do espetáculo "Tango Argentino" em Paris. Esse fenômeno reacendeu o interesse internacional e reanimou a cena local, levando a uma verdadeira explosão de produções culturais (Gulledge, 2016; Argentina, 2019). Em 2009, a UNESCO concedeu ao Tango o título de Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, reconhecendo seu profundo valor para a cultura mundial (Gulledge, 2016; Castro, 2023).
Quanto às suas características nos dias atuais, o Tango se mantém como uma dança social e performática, altamente expressiva e dramática, que mistura sensualidade, tristeza e certa agressividade (Cia das artes, 2020).
Os pares dançam com postura ereta, em um abraço fechado, com a mulher ligeiramente à direita do homem, executando passos cerrados e pausas dramáticas (Cia das artes, 2020; Pampeano, 2019). A música, com compasso de 2/4 ou 4/4, pode ser instrumental ou cantada, e suas letras frequentemente refletem um "pensamento triste que se pode dançar", como definiu o poeta Enrique Santos Discépolo, embora aborde outros temas, como o amor e a paixão (Cia das artes, 2020; Castro, 2023).
Ao longo dos anos, o Tango passou por contínuas transformações. Astor Piazzolla, por exemplo, revolucionou a música com o "Tango Nuevo", incorporando elementos do jazz e da música clássica, inicialmente rejeitado pelos conservadores, mas hoje venerado como um herói nacional (Castro, 2023). Na dança, surgiram estilos com coreografias mais teatrais, aceleradas ou íntimas. Na virada do milênio, o movimento "electrotango" ou "tangoeletrônico" surgiu, com DJs misturando sons tradicionais com batidas eletrônicas, atraindo novas gerações e levando o gênero para as pistas de dança (Castro, 2023).
Em conclusão, o Tango é muito mais do que uma simples dança; é uma expressão artística que funcionou como elemento central na construção da identidade nacional argentina: de suas origens marginais até seu status de patrimônio mundial.
Referências:
ARGENTINA. SECRETARÍA DE CULTURA: PRESIDENCIA DE LA NACIÓN. El tango como identidad nacional. Argentina, 2019. Disponível em: https://www.cultura.gob.ar/el-tango-como-identidad-nacional_10116/.
CASTRO, Henrique. Uma viagem pela história do Tango. Sherlock Communications, 2023. Disponível em: https://www.sherlockcomms.com/pt/historia-tango/.
ESCOLA CIA DAS ARTES. Tango, história e curiosidades. 2020. Disponível em: https://escolaciadasartes.com/2020/10/tango/.
GULLEDGE, Steph. A Brief History of Tango. Butterfield & Robinson, 2016. Disponível em: https://www-butterfield-com.translate.goog/get-inspired/brief-history-tango?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc&_x_tr_hist=true.
PAMPEANO. The Story of the Argentine Tango. 2019. Disponível em: https://www.pampeano.com/blogs/journal/the-story-of-the-argentine-tango?srsltid=AfmBOoo5Hos4rjVvFksas_LnvGw_B_CE98acjrdvm5M5VteyAT3-S2xf.
ROMERO, Avelino. Buenos Aires, história e tango: crise, identidade e intertexto nas narrativas “tangueras”. 2012. 320 f. Tese (Doutorado em História) – Programa de Pós-Graduação em História, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2012.



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