Surfe
- Gabriel Garcia Borges Cardoso
- há 2 dias
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As primeiras menções ao surfe ("surf" em inglês) surgem na Polinésia, com pinturas rupestres do século XII retratando pessoas surfando. Durante suas viagens marítimas, os polinésios introduziram o surfe no Havaí, onde o esporte se tornou extremamente popular. No Havaí, o surfe não era apenas uma atividade esportiva, mas também uma parte integral da religião. A escolha da madeira para as pranchas era essencial, e rituais religiosos eram realizados durante sua construção para garantir proteção e a boa vontade dos deuses. Homens, mulheres, crianças e até reis surfavam.
O primeiro registro escrito sobre o surfe foi encontrado no diário de James Cook, onde fez o primeiro relato de ter avistado homens sobre pranchas, na Polinésia.
Assim como apresentam Freitas e Barreto (2024), a popularização do surfe como esporte é obra de um herói olímpico. Duke Kahanamoku, ganhador de cinco medalhas na natação entre os Jogos Estocolmo 1912 e Antuérpia 1920, declarou em entrevista após a primeira conquista (o ouro nos 100m livre) que treinava no mar, sobre uma prancha de madeira. Após seu sucesso, viajou pelo mundo apresentando o surf em regiões com condições adequadas, como Austrália e Califórnia.

Não só o surf, mas também os equipamentos evoluíram ao longo do tempo. Materiais desenvolvidos durante a Segunda Guerra Mundial encontraram novas aplicações. Joe Quigg inventou a ponta redonda e as quilhas (laminadas cobertas com fibra de vidro), permitindo manobras incríveis.
No início dos anos 50, Jack O’Neill criou a primeira roupa de borracha, protegendo os surfistas da água fria da Califórnia. Graças às roupas de borracha e às pranchas menores, que permitiam curvas radicais, o surf se tornou um esporte de massa. Além disso, filmes de Hollywood como “Gidget” e “Endless Summer”, que mostravam o surf e seu estilo de vida, impulsionaram ainda mais o esporte.
Nos anos 70, o australiano Simon Anderson inventou o sistema de três quilhas para pranchas curtas, o último passo importante que levou às pranchas curtas como as conhecemos hoje.
Se um havaiano foi o pioneiro, coube aos californianos organizar os primeiros campeonatos. Da Califórnia, a onda competitiva se espalhou pelo planeta: o circuito mundial começou a ser disputado em 1964, por homens e mulheres. Só em 2016 o COI (Comitê Olímpico Internacional) aceitou uma sugestão dada por Duke Kahanamoku há mais de um século, naquela famosa entrevista: transformar o surfe em esporte olímpico. A primeira disputa de medalhas se deu em Tóquio 2020 – com um brasileiro, Ítalo Ferreira, conquistando o ouro no masculino.
O Surfe Esporte Olímpico
Local das competições:
Diferente da maioria dos esportes, as competições de Surfe dependem intrinsecamente das condições naturais, uma vez que são realizadas em mar aberto. Ondas fracas limitam as manobras, enquanto ondas fortes demais ameaçam a segurança. Para lidar com essa imprevisibilidade, os organizadores estabelecem uma "janela" competitiva: um período extenso (com data mínima de início e máxima de término) dentro do qual as provas podem ser realizadas. Os árbitros monitoram constantemente o oceano e têm autoridade para suspender as baterias se as condições não forem ideais.
Nos Jogos Olímpicos de Paris (2024), houve apenas duas categorias (masculino e feminino), com 24 atletas competindo em cada. No modelo olímpico, as duas primeiras rodadas têm baterias de quatro competidores, e a partir da terceira os confrontos são um contra um, com os vencedores avançando para a semifinal e a final. Em Paris os surfistas entraram na água bem longe de Paris: a praia de Teahupo’o, no Taiti, que tem uma das ondas mais famosas e temidas do mundo, foi a escolhida para receber o evento.
O formato das competições:
As competições olímpicas seguem o formato tradicional de baterias (heats), onde surfistas disputam simultaneamente em séries cronometradas:
Tempo: Cada bateria dura 30 minutos nos Jogos Olímpicos. Um toque de sirene marca o início; dois toques indicam o fim (ondas iniciadas antes do segundo sinal são válidas);
Competidores: De 2 a 4 atletas por bateria. Avança metade deles para a próxima fase, com possibilidade de repescagem em etapas específicas;
Dinâmica: Em 30 minutos, cada surfista pode pegar até 20 ondas, mas apenas as duas melhores notas somadas compõem sua pontuação final (máximo de 20 pontos);
Regra Dourada: A prioridade é sagrada. Quem está mais próximo da quebra da onda ou já iniciou a remada tem direito exclusivo. Violar esta regra gera interferência, punida com perda da segunda melhor nota (primeira infração) ou eliminação (reincidência).
Cada onda é avaliada por 5 árbitros com notas de 0 a 10. Descartam-se a maior e a menor, e a média das três restantes define a nota da onda. Os critérios de julgamento combinam arte e técnica:
Compromisso e Dificuldade (fator decisivo): Ousadia ao encarar seções críticas da onda;
Inovação e Progressão: Criatividade na execução de movimentos inéditos;
Variedade: Repertório diversificado de manobras na mesma onda;
Combinação: Transição fluida entre manobras, sem interrupções;
Velocidade, Potência e Fluxo: Adaptação dinâmica às características da onda, mantendo energia constante.
As manobras são a linguagem que traduz performance em notas. As mais emblemáticas incluem:
Tubo: O "Santo Graal" do surfe. O atleta desliza no túnel formado pela onda, coberto pela espuma. Uma execução perfeita pode render 10 pontos;
Aéreo: Salto acima da crista da onda, com aterrissagem controlada. Exige precisão extrema;
360°: Rotação completa da prancha e do corpo sobre o eixo;
Rasgada: Mudança brusca de direção na parede da onda, gerando jatos de água espetaculares;
Cut Back: Giro de 180° para retornar à parte mais poderosa da onda;
Floater: "Caminhada" sobre a espuma da onda que está se fechando;
Batida: Golpe seco na crista da onda com a parte inferior da prancha.
As pranchas:
A prancha é a extensão do surfista e sua evolução tecnológica revolucionou o esporte. Os pesados modelos históricos de madeira (Olo ou Alaia) deram lugar a equipamentos leves, ágeis e complexos, construídos principalmente com fibra de vidro e poliuretano. Assim como vimos anterioremente, dois marcos nos anos 80 impulsionaram a performance: Mark Richards popularizou a twin-fin (duas quilhas na parte inferior traseira para melhor deslizamento) e Simon Anderson introduziu a revolucionária tri-fin (três quilhas), padrão dominante nos dias de hoje.
Comprimento: Vai do bico (nose) ao rabo (tail). A regra básica indica pranchas maiores para ondas maiores, mas a altura e o estilo do surfista também influenciam. Profissionais, incluindo os olímpicos, geralmente usam shortboards entre 5 e 7 pés (1.5m - 2.1m). Pranchas de 9 a 12 pés (longboards) têm categoria própria.
Largura: Medida no ponto mais largo. Maior largura confere estabilidade; largura reduzida permite manobras mais radicais e ágeis.
Espessura: Influencia diretamente a flutuação. Equilibra a necessidade de planeio com a sensibilidade para manobras.
Curiosamente, os shapers (artesãos que projetam e esculpem as pranchas) são figuras de enorme respeito, muitas vezes tão famosos quanto os atletas. Grandes surfistas, como o brasileiro pioneiro Rico de Souza (responsável por mais de 25 mil pranchas), frequentemente se tornam mestres shapers, transferindo sua experiência da água para a criação do equipamento.
A roupa:
Poucos esportes exercem tanta influência na moda mundial quanto o surfe. O surfwear – estilo marcado por bermudas, camisetas, sandálias, bonés e óculos escuros – transcendeu as praias para se tornar um fenômeno cultural e comercial multimilionário, refletindo um estilo de vida descontraído e conectado ao mar.

No entanto, dentro d'água, durante as disputas olímpicas, a função prevalece a moda. Os atletas vestem roupas de neoprene coladas ao corpo, conhecidas como long John (mangas e pernas compridas) ou short John (mangas e/ou pernas curtas), escolhidas conforme a temperatura da água. Este material sintético, flexível e isolante, é essencial: mantém a mobilidade total para executar manobras complexas enquanto protege o corpo do frio, permitindo que os surfistas compitam por horas nas mais variadas condições.
Referências:
FREITAS, Armando; Barreto, Marcelo. Almanaque Olímpico: 1896-2024. Comitê Olímpico do Brasil, 2024.
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