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Sinuca

O bilhar, entendido como termo genérico que engloba diversas modalidades de jogos de tacada sobre uma mesa, possui uma história milenar, com relatos que remontam à Antiguidade. Dentre suas variantes, a sinuca – ou snooker, como é internacionalmente conhecida – destaca-se como uma das modalidades mais complexas, estratégicas e popularmente difundidas no mundo.


Esta modalidade da cultura corporal passou por um significativo processo de transformação desde sua origem, nos entretenimentos informais de oficiais britânicos na Índia colonial, até consolidar-se como um esporte profissional de audiência global. Compreender suas origens, sua jornada de padronização, suas características técnicas e, particularmente, sua assimilação e adaptação no Brasil, onde desenvolveu uma identidade própria, é fundamental para mapear as diversas manifestações desta prática esportiva.


As origens na Índia Colonial


A origem da sinuca moderna está intrinsecamente ligada à presença do Império Britânico na Índia durante o século XIX. Os oficiais militares já praticavam uma modalidade ancestral do bilhar, conhecida como "English billiards", um jogo para dois jogadores que utilizava três bolas.


Para acomodar um maior número de participantes, surgiram variações como o "life pool" e o "pyramid pool". O "pyramid pool", em particular, era jogado com 15 bolas vermelhas dispostas em formato triangular (a "pirâmide") e uma bola branca - a única que poderia ser acertada pelo taco de madeira-, onde cada bola vermelha encaçapada valia um ponto.


Foi na cidade de Jabalpur (ou Jubbulpore), nas províncias centrais da Índia, durante a estação chuvosa de 1875, que o então jovem subtenente do Regimento de Devonshire, Coronel Sir Neville Francis Fitzgerald Chamberlain, propôs uma inovação. Para trazer variedade ao "black pool" - uma versão do "pyramid pool" que incorporava uma bola preta de maior valor -, Chamberlain sugeriu adicionar outras bolas coloridas provenientes do "life pool". Esta fusão entre o "pyramid pool" e o "life pool" é amplamente reconhecida como o momento seminal de criação do jogo que viria a ser chamado de snooker.


O termo "snooker" era uma gíria utilizada na Royal Military Academy de Woolwich para se referir a um cadete do primeiro ano, um novato ou inexperiente. Conta-se que, após um colega oficial falhar uma tacada fácil, Chamberlain teria dito: "Why, you're a regular snooker!" (algo como "Ora, você é um verdadeiro 'snooker'!").


Para amenizar a situação, ele acrescentou que todos os presentes eram, de certa forma, "snookers" naquele novo jogo. O termo, então, foi adotado com entusiasmo para nomear a invenção.


Evidências documentais, como uma carta de Compton McKenzie publicada na revista The Billiard Player em 1939, corroboram o relato de Chamberlain, apresentando depoimentos de diversas personalidades militares da época que atestam sua autoria.


Consolidação e disseminação para a Europa


O jogo rapidamente ganhou popularidade entre as guarnições britânicas. Chamberlain, ao ser transferido para a estação de montanha de Ootacamund (conhecida como "Ooty"), levou consigo o novo passatempo. Foi no Ooty Club que as primeiras regras formais do snooker foram redigidas, por volta de 1881-1882, padronizando a prática. Um momento crucial para a disseminação global do esporte ocorreu em 1885, quando o campeão britânico de bilhar, John Roberts, em visita à Calcutá, encontrou-se com Chamberlain durante um jantar com o Maharaja de Cooch Behar. Roberts interessou-se pela nova modalidade e decidiu levá-la para a Inglaterra, tornando-se seu principal divulgador.


A aceitação inicial na Grã-Bretanha, no entanto, não foi imediata. A modalidade foi inicialmente vista com reservas pelos jogadores tradicionais de bilhar, sendo considerada um "jogo de soldados". Foi apenas no início do século XX, por volta de 1900, que a Billiard Association reconheceu oficialmente suas regras.


O primeiro campeonato profissional mundial de snooker foi disputado em 1927, e foi Joe Davis - um nome que se tornaria lendário - quem não apenas venceu esta primeira edição, como dominou o esporte de forma avassaladora, conquistando todos os campeonatos mundiais até sua aposentadoria, em 1946. Davis foi importantíssimo no refinamento técnico e tático do jogo, elevando seu padrão competitivo.


A Era de Ouro


O snooker experimentou um declínio de popularidade nas décadas de 1950 e 1960, mas foi resgatado pelo poder da televisão. Em 1969, a BBC lançou o torneio "Pot Black", concebido para demonstrar as capacidades da nova tecnologia de transmissão em cores. As bolas coloridas sobre o tecido verde da mesa criavam uma imagem visualmente atraente, e o formato de torneio rápido cativou o público. O "Pot Black" foi fundamental para recolocar o snooker no mapa do desporto britânico.


Os anos 1970 e 1980 marcaram a era de ouro do esporte. A mudança do Campeonato Mundial para o Crucible Theatre, em Sheffield, em 1977, criou um palco icônico. A introdução de rankings mundiais em 1976 profissionalizou ainda mais o circuito. Sob a gestão empresarial de Barry Hearn, o esporte expandiu-se globalmente, com a realização de torneios na Europa, Ásia e América do Norte.


Características técnicas e modalidades


É fundamental diferenciar o bilhar como termo guarda-chuva de suas modalidades específicas. De acordo com Cardoso (2013), o bilhar engloba principalmente:


  • Carambola (Bilhar Francês): Praticada com três bolas, em mesa sem caçapas (ou com caçapas, na regra inglesa). O objetivo é fazer a bola tacadeira (bola em que pode haver o contato com o taco) tocar nas outras duas bolas em uma única jogada ("carambolar").

  • Pool (Bilhar Americano): Inclui modalidades como a "Bola 8" e a "Bola 9" (Nine-ball). Caracteriza-se por um jogo mais dinâmico e objetivo, com partidas geralmente mais curtas, o que favorece a transmissão televisiva.

  • Sinuca/Snooker (Bilhar Inglês): A modalidade em foco, padronizada internacionalmente.


A sinuca internacional (snooker) é disputada com 22 bolas: sendo 15 vermelhas (cada uma valendo 1 ponto), 6 coloridas (amarela-2, verde-3, marrom-4, azul-5, rosa-6, preta-7) e a bola branca (tacadeira).


A mesa oficial possui dimensões de 2,84m x 1,42m. A dinâmica do jogo é sequencial: o jogador deve sempre encaçapar uma bola vermelha (que não retorna à mesa) e, em seguida, uma bola colorida (que é reposta em sua posição original até que todas as vermelhas sejam esgotadas).


Após não haver mais bolas vermelhas na mesa, as coloridas devem ser encaçapadas em ordem crescente de valor (do amarelo-2 ao preto-7), e agora não são mais repostas.


Vence o jogador ou dupla que acumular mais pontos ao final da partida. A complexidade do jogo reside não apenas na precisão das tacadas, mas na estratégia de posicionamento da bola branca, criando situações de "sinuca" (dificultando a jogada do adversário).



A Sinuca no Brasil


A introdução da sinuca no Brasil deu-se por duas vias principais no final do século XIX: pela influência espanhola, que trouxe a carambola; e pela influência inglesa, que trouxe o snooker.


No entanto, a modalidade sofreu uma significativa adaptação local, dando origem a dois estilos de sinuca brasileira:


Sinuca Brasileira


A Sinuca Brasileira é uma modalidade distinta, jogada com um conjunto de sete bolas coloridas (vermelha-1, amarela-2, verde-3, marrom-4, azul-5, rosa-6 e preta-7) e a bola branca (tacadeira). O objetivo fundamental é encaçapar todas as bolas coloridas em sequência ordenada e crescente de valor, da bola 1 à bola 7. A bola de menor valor em jogo é sempre considerada a "bola da vez", e as demais são "bolas numeradas".


A sequência de jogo é um dos pilares da modalidade e segue uma lógica específica:

  • Início da Tacada: Uma tacada sempre deve ser iniciada na "bola da vez". Acertá-la é sempre livre de penalidades ("castigo").

  • Conversão da Bola da Vez: Se o jogador encaçapar a "bola da vez", ele deve continuar sua jogada atacando uma bola numerada. Esta primeira bola numerada atacada após a conversão é livre de castigo.

  • Sequência Opcional com Castigo: Após encaçapar uma bola numerada livre de castigo, o jogador tem o direito opcional de jogar outra bola numerada. No entanto, esta segunda (e quaisquer subsequentes na mesma sequência) está sujeita a um "castigo" de 7 pontos se não for convertida.

  • Retorno à Bola da Vez: Após encaçapar uma ou mais bolas numeradas, o jogador deve retornar a jogar na próxima "bola da vez" (a de menor valor em jogo), reiniciando o ciclo.


Diferente de outras modalidades, na Sinuca Brasileira:


  • Apenas a "bola da vez" convertida legalmente não retorna à mesa.

  • Todas as outras bolas encaçapadas (numeradas), lançadas para fora da mesa ou encaçapadas com falta, retornam às suas marcas na mesa. Se a marca estiver ocupada, a bola é posicionada na marca de maior valor disponível ou no "ponto neutro".

  • Em situações de falta, o adversário ganha a condição de "Bola na Mão", podendo posicionar a bola branca em qualquer lugar dentro ou sobre o semicírculo "D" para reiniciar a jogada.


A regra do "jogo cantado" é crucial para a estratégia e a legalidade das jogadas:


  • Obrigatoriedade: O jogador deve "cantar" (declarar) antecipadamente a bola e a caçapa visadas em todas as jogadas que não forem evidentes para o árbitro. Jogadas que utilizam tabelas (laterais da mesa) para desviar a tacadeira também precisam ser cantadas.

  • Evidência: Cabe exclusivamente ao árbitro decidir se uma jogada é evidente. Jogadas claramente direcionadas, sem bolas interferentes no alinhamento, podem não requerer cantada.

  • Consequências: Jogar uma bola não evidente sem cantá-la é considerado uma jogada de defesa e, se encaçapada, caracteriza falta.


O regulamento da Sinuca Brasileira é extenso quanto às faltas, sendo as principais:


  • Encaçapar a bola branca ("suicídio").

  • "Bitoque" (dois toques na branca) ou "carretão" (conduzir a bola).

  • Jogar bola errada ou não cantar uma jogada não evidente.

  • Jogar em defesa de forma intencional e evidente (falta disciplinar).

  • Não encaçapar uma bola numerada que estava sob "castigo".

  • Encaçapar a bola em uma caçapa diferente da cantada.


Penalidades por falta comum:


  • O jogador perde a vez.

  • O adversário recebe 7 pontos.

  • O adversário tem o direito de recusar a jogada, devolvendo-a ao infrator.


Faltas disciplinares reincidentes ou faltas graves podem resultar na perda da partida ou até do jogo.


Uma partida pode terminar das seguintes formas:


  • Encaçapamento da Bola 7: De forma legal, após todas as outras bolas terem sido convertidas.

  • Desistência: Um jogador pode dar a partida como perdida.

  • Falta Grave ou Disciplinar Reincidente.

  • "Golpe Máximo": A partida é encerrada automaticamente se a diferença de pontos entre os jogadores for tão grande que se torna impossível para o perdedor reverter, mesmo encaçapando todas as bolas restantes. Os limites são:

    • Com a bola 5 em jogo: 46 pontos de diferença.

    • Com a bola 6 em jogo: 27 pontos de diferença.

    • Com a bola 7 em jogo: 7 pontos de diferença.


O jogo como um todo termina quando um dos jogadores atinge um número predeterminado de vitórias (partidas), se declara vencido ou é penalizado com uma falta grave.



Sinuquinha


A partida é disputada com um total de 16 bolas: a branca - que serve como bola tacadeira - e 15 bolas objeto, numeradas de 1 a 15.


As bolas de 1 a 7 são de cores sólidas (lisa), enquanto as de 9 a 15 são listradas. O início da partida é determinado por sorteio ou acordo entre os jogadores, cabendo ao sorteado a primeira tacada, denominada "saída" ou "estouro da formação".


As bolas são dispostas no início da partida em uma formação triangular, utilizando-se o utensílio específico para este fim. A bola 8 (em algumas regiões do Brasil, ao invés de usar a 8, usa-se a 1), no início da partida fica fora da pirâmide, sendo colocada "colada" na tabela do lado oposto em que a pirâmide foi organizada.


O jogador que inicia a partida deve, então, projetar a bola branca em direção à pirâmide, com o objetivo de espalhar as bolas e, preferencialmente, encaçapar uma para definir o seu grupo.


A definição dos grupos é um momento crucial da partida e segue convenções estabelecidas, podendo acontecer de duas maneiras:

  1. Lisas ou Listradas: Se a primeira bola encaçapada for uma bola lisa (1/7), o jogador terá como objetivo encaçapar as demais bolas lisas. Se a primeira bola encaçapada por uma listrada (9/15), o jogador terá como objetivo encaçapar as demais bolas listradas.

  2. Par ou ímpar: Se a primeira bola encaçapada for uma bola com número Par,  o jogador terá como objetivo encaçapar as demais bolas com números pares. Se a primeira bola encaçapada for uma bola com número Ímpar,  o jogador terá como objetivo encaçapar as demais bolas com números ímpares.


Uma vez definidos os grupos, o jogador adquire o direito a uma nova tacada sempre que encaçapar uma bola do seu conjunto. Esta sequência é interrompida quando ele falha em encaçapar uma de suas bolas ou cometa uma falta. A vez passa então ao oponente.


Após um jogador encaçapar todas as bolas do seu grupo, ele tem o direito de tentar encaçapar a bola 8 (ou a bola 1). Encaçapar essa bola antes do momento correto resulta na derrota imediata da partida.



A história da sinuca no Brasil é marcada por figuras icônicas. O sergipano Walfrido Rodrigues dos Santos, o "Carne-Frita", tornou-se uma lenda nas décadas de 1950 e 1960. Sua habilidade excepcional e suas exibições em programas de rádio e, posteriormente, de televisão, foram fundamentais para popularizar o esporte nacionalmente. Nos anos 1980, a transmissão de campeonatos pela TV Bandeirantes, com narrações de Luciano do Valle e Juarez Soares, levou a sinuca para os lares de milhões de brasileiros, criando ídolos como Rui Chapéu.


Apesar da popularidade, a sinuca brasileira enfrenta desafios históricos. A forte associação com a malandragem e as apostas ilegais, fruto de seu ambiente de prática comum em bares e locais informais, criou um estigma social que dificultou seu reconhecimento como esporte de fato. Essa imagem negativa, somada à desorganização institucional e à falta de um calendário nacional robusto e profissionalizante, impediu que o esporte alcançasse o mesmo status de outras modalidades. Apenas em 1988 o Conselho Nacional de Desportos (CND) reconheceu oficialmente a sinuca e o bilhar como modalidades desportivas. A Confederação Brasileira de Bilhar e Sinuca (CBBS) foi fundada em 1986, mas o esporte ainda não é reconhecido pelo Comitê Olímpico Brasileiro (COB), em contraste com o reconhecimento internacional pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) por meio da World Confederation of Billiard Sports (WCBS).


A transição para a regra internacional no Brasil, oficializada em 1996, foi um passo importante para a integração dos atletas nacionais ao circuito mundial. No entanto, jogadores como Igor Figueiredo, que chegou a figurar entre os 70 melhores do ranking mundial, enfrentam dificuldades para se manter profissionalmente, dependendo de premiações e aulas particulares, evidenciando a carência de patrocínios e investimento estrutural. A superação do preconceito e a consolidação de uma base institucional sólida são vistas como condições essenciais para que a sinuca brasileira, em sua forma internacional, possa florescer.


A sinuca, ou snooker, é uma manifestação da cultura corporal com uma trajetória rica e complexa. No Brasil, a modalidade não apenas foi assimilada, como foi reinventada, desenvolvendo uma identidade própria e popular, ainda que carregue consigo os desafios de um estigma social e de uma estruturação esportiva incipiente.



Referências


CARDOSO, Thiago Mendes. Os potenciais pedagógicos do bilhar. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação) – Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2013.


CONFEDERAÇÃO BRASILEIRA DE BILHAR E SINUCA. Regras da Sinuca Brasileira. Goiânia, 13 mar. 1999. Disponível em: https://www.juventus.com.br/wp-content/uploads/2014/08/regras_sinuca.pdf.


ENROUTE INDIAN HISTORY. From the Officers’ Mess to the Global Stage: The Origins of Snooker. 2024. Disponível em: https://enrouteindianhistory.com/from-the-officers-mess-to-the-global-stage-the-origins-of-snooker/.


SNOOKER CANADA. The History of Snooker. [s.d.]. Disponível em: https://www.snookercanada.ca/snooker-101/the-history-of-snooker/.


UNITED STATES SNOOKER ASSOCIATION. History. [s.d.]. Disponível em: https://www.snookerusa.com/aboutsnooker/history.

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