top of page

Pernas de pau

Embora a primeira coisa que nós, brasileiros, lembramos ao pensarmos nas Pernas de Pau seja o circo, ou seja, as artes circenses com os palhaços se equilibrando e fazendo coisas incríveis sobre esses equipamentos, o ato de andar em pernas de pau (stilt walking) é uma prática ancestral que surge em diferentes culturas ao redor do mundo, inicialmente como uma solução pragmática para desafios cotidianos e, posteriormente, como uma forma de expressão artística e ritualística.


Evidências arqueológicas indicam que civilizações antigas, como os egípcios e chineses, já utilizavam estruturas elevadas há cerca de 3.500 anos para atravessar áreas alagadas ou realizar trabalhos em terrenos pantanosos.

Vaso de Armazenamento com um Coro de Andarilhos de Pernas de Pau(550-525 a.C.). Coleção Memorial James Logie, Universidade de Canterbury.
Vaso de Armazenamento com um Coro de Andarilhos de Pernas de Pau(550-525 a.C.). Coleção Memorial James Logie, Universidade de Canterbury.

Na Armênia, cinturões de bronze do período Urartu (séculos IX-VII a.C.) retratam acrobatas equilibrando-se em pernas de pau, enquanto na Grécia Antiga, textos do século VI a.C. mencionam os kōlobathristēs, artistas especializados nessa técnica. Em Roma, era comum que crianças brincassem com pernas de pau, demonstrando que seu uso não se limitava apenas a funções utilitárias, mas também ao entretenimento.


Na Europa medieval, as pernas de pau assumiram um papel importante em comunidades que lidavam com terrenos alagados ou de difícil acesso.


Na região de Landes, no sul da França, pastores as utilizavam - e ainda usam - para vigiar seus rebanhos, evitando o contato com cobras e umidade excessiva. Relatos do século XIX descrevem famílias inteiras indo à igreja sobre pernas de pau, transformando-as em um meio de locomoção cotidiano.


Pastores sobre pernas de pau (Landes-França)
Pastores sobre pernas de pau (Landes-França)

Já na Bélgica, mais precisamente em Namur, desenvolveu-se uma tradição peculiar: desde 1411, competições de lutas em pernas de pau são realizadas, uma prática que, em 2021, foi reconhecida pela UNESCO como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade. Esses exemplos ilustram como o uso de pernas de pau estava profundamente enraizado na vida social e laboral de diversas sociedades.


Além da Europa, outras culturas incorporaram as pernas de pau em rituais e celebrações. Na China, onde inicialmente eram usadas para colher frutas ou pescar, elas gradualmente se tornaram parte essencial de festivais populares, como as danças de dragões e leões, performances que simbolizam prosperidade e proteção contra espíritos malignos.


Na África, povos como os Dogon, do Mali, e os Bwa, de Burkina Faso, utilizam pernas de pau em cerimônias fúnebres e festivais de colheita. No Togo, a dança Tchébé, realizada em pernas de pau de até cinco metros de altura, está associada a rituais vodu e exige anos de treinamento.



Já no Caribe, a tradição do Moko Jumbie, trazida por africanos escravizados, mantém-se viva em carnavais, onde figuras em pernas de pau altíssimas desfilam como guardiões espirituais.



Na Etiópia, o povo de Banna mantém a tradição de andar sobre pernas de pau. Originalmente, os jovens Banna usavam pernas de pau para se proteger de animais selvagens enquanto pastoreavam. Mas hoje, a prática tornou-se uma tradição cultural profundamente simbólica. Durante festivais, homens solteiros pintam o corpo com listras brancas e realizam performances acrobáticas em pernas de pau de vários metros de altura, demonstrando incrível equilíbrio e força. Essa tradição funciona como um rito de passagem: dominar as pernas de pau prova que o jovem é responsável, corajoso e pronto para a vida adulta.


ree

Os Banna habitam o sudoeste da Etiópia, na região do Vale do Baixo Omo. Sua língua mescla influências Hamar-Banna. São conhecidos não apenas pelas pernas de pau, mas também por seus trajes tradicionais, conhecimentos ancestrais em agricultura sustentável e medicina tradicional e seu artesanato.


Com o surgimento do circo moderno no século XVIII, as pernas de pau ganharam um novo palco. Artistas ambulantes e saltimbancos as incorporaram em suas apresentações, atraindo plateias com números que mesclavam humor, equilíbrio e acrobacias. Essa apropriação artística permitiu que a técnica se diversificasse, dando origem a diferentes estilos, desde os tradicionais "homens altos" até personagens fantásticos, como animais e criaturas mitológicas. No século XX, o circo contemporâneo e os espetáculos de rua elevaram ainda mais o status das pernas de pau, transformando-as em um elemento central de performances que combinam teatro, dança e narrativas visuais.


Artistas circenses do Circo Laheto, de Goiânia - Goiás, realizando uma apresentação com o uso de Pernas de Pau (Artistas: Kassiane, Junio Gustavo e Renerson Eduardo). Imagem disponibilizada pelo Circo Laheto.
Artistas circenses do Circo Laheto, de Goiânia - Goiás, realizando uma apresentação com o uso de Pernas de Pau (Artistas: Kassiane, Junio Gustavo e Renerson Eduardo). Imagem disponibilizada pelo Circo Laheto.

Segundo Bortoleto (2008), a perna de pau é uma modalidade circense onde os praticantes alteram sua estatura normal utilizando, basicamente, um aparelho também conhecido como perna de pau. No âmbito da literatura e da cultura circense, a Perna de Pau — assim como o Malabares e o Trapézio — é frequentemente classificada como uma "técnica circense". Contudo, esse conceito apresenta imprecisão, uma vez que, na realidade, trata-se de uma "modalidade" circense. A distinção é relevante: uma modalidade compreende um tipo de prática inserida em um contexto amplo (o Circo, neste caso), caracterizada por elementos técnicos específicos que variam conforme as particularidades dos objetos utilizados, do espaço físico, da temporalidade e dos artistas envolvidos. Dentro de cada modalidade, os praticantes desenvolvem ações motoras específicas, além de empregar uma ou múltiplas técnicas corporais para executar movimentos. Essas técnicas, por sua vez, são moldadas por padrões de eficiência mecânica e refinamento estético, os quais divergem conforme as tradições de escolas, culturas, regiões ou países.


De acordo com Aguado e Banegas (1989 apud Bortoleto, 2008), a Perna de Pau — classificada como modalidade circense — prioriza ações motoras de equilíbrio, embora incorpore elementos coordenativos e expressivos. Sua prática envolve aparelhos variados em material (madeira, alumínio, carbono) e design, cuja escolha depende de fatores como custo, acesso a tecnologia e objetivos. Em contextos educativos e sociais, por exemplo, prevalecem modelos artesanais de madeira, mais acessíveis financeiramente (Bortoleto, 2008).


Existem, de forma geral, dois tipos de pernas de pau:


  1. Apoio Manual: Permite ao praticante soltar o aparelho livremente, sendo mais comum em brincadeiras infantis pela facilidade de uso.

  2. Fixação nas Pernas: Considerado ideal para a prática formal, exige maior domínio técnico.


"Pé de Lata". Plataformas com apoio nas mãos (cordas) e amarradas nos pés (Bortoleto, 2008, p. 94).
"Pé de Lata". Plataformas com apoio nas mãos (cordas) e amarradas nos pés (Bortoleto, 2008, p. 94).

Para transição pedagógica entre os modelos, recomenda-se o uso de "plataformas" (Pés de Lata), que simulam melhor as demandas mecânicas e sensoriais da Perna de Pau tradicional. Essa abordagem favorece uma transferência positiva de habilidades para o modelo fixo, ao contrário do apoio manual, que demanda ajustes distintos de equilíbrio.


Paralelamente ao uso artístico, as pernas de pau mantiveram aplicações práticas em diversas profissões. Agricultores na Califórnia as utilizam para podar e colher frutas, enquanto trabalhadores da construção civil empregam modelos específicos, como as pernas de pau para drywall, que permitem maior mobilidade e segurança em obras. No campo esportivo, surgiram variações como as pernas de pau com molas (powerbocking), que possibilitam saltos impressionantes e acrobacias, popularizando-se como uma modalidade de esporte radical.



Referências:


A brief history of stilt walking. Disponível em: https://www.dw.com/en/a-brief-history-of-stilt-walking/a-69457330


A Walk Through the History of Stilts and Stilt Walking. Disponível em: https://www.eyesup.events/blog/a-walk-through-the-history-of-stilts-and-stilt-walking


BORTOLETO, Marco Antonio Coelho. Perna de Pau. In.: Introdução à pedagogia das atividades circenses. BORTOLETO, Marco Antonio Coelho (Org.). Jundiaí, SP: Fontoura, 2008.


Comentários


Se inscreva para receber atualizações

Almanaque da Cultura Corporal

O seu site sobre a cultura corporal

  • Instagram
  • X
  • Linkedin

Almanaque da Cultura Corporal

Gerenciada por Gabriel Garcia Borges Cardoso

bottom of page