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Parada de Mãos

A Parada de Mãos, conhecida internacionalmente como handstand ou handbalancing - ou nacionalmente como bananeira -, é uma das várias disciplinas circenses que ultrapassam as "lonas" e inserem-se em outros elementos da cultura corporal, como a ginástica, capoeira, CrossFit e a yoga.


É uma prática corporal milenar, registrada desde a Antiguidade e presente em diversas culturas ao longo da história. Evidências apontam sua existência na dinastia Han, na China, há aproximadamente dois mil anos (Costa, 1999 apud Carvalho; Nakatani; Leles, 2018), assim como em pinturas egípcias e como modalidade olímpica na Grécia (Dupat, 2007 apud Carvalho; Nakatani; Leles, 2018).


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A parada de mãos, enquanto manifestação física e artística, possui representações históricas que nos ajuda a compreender sua transformação ao longo da história, como atesta a escultura helenística de bronze intitulada "Acrobat Performing a Handstand". De origem egípcia, especificamente de Armant, e datada entre o final do século IV e o final do século I a.C., esta peça é atribuída a um artista do período ptolomaico (305 a 30 a.C.). A figura, que originalmente se equilibrava sobre as mãos com as pernas unidas estendidas para cima, perdeu parte dos membros superiores ao longo do tempo - atualmente, este importante artefato integra o acervo do Walters Art Museum.


Outra representação artística da parada de mãos na Antiguidade é encontrada em um grupo estatuário de mármore do período imperial (século I a.C. ao I d.C.), conservado no British Museum. A obra retrata um jovem acrobata negro em plena performance, sustentando seu corpo em uma vigorosa flexão de braços sobre o dorso de um crocodilo. A execução é meticulosa: seus braços estão flexionados sob o esforço, os músculos tensionados, as pernas estendidas ao longo da cauda erguida do animal, e os pés em movimento rítmico, sugerindo a ação de nadar. Com a cabeça erguida e traços faciais que denotam concentração, a figura representa o dinamismo da performance. Estudiosos associam esta cena às exibições exóticas da Roma antiga, notadamente aos jogos de M. Scaurus em 58 a.C., onde, segundo Estrabão, os Tentyritas do Egito impressionavam o público com proezas acrobáticas envolvendo crocodilos (Dasen, 2019).


Sua prática, centrada no ato de equilibrar o corpo sobre as mãos, envolve uma síntese única de força, flexibilidade, técnica e controle neuromuscular. A análise de suas origens revela uma trajetória entrelaçada com discursos culturais sobre o corpo, transformações técnicas e uma evolução estética contínua, posicionando-a como um campo rico para a investigação acadêmica sobre as culturas corporais.


A Parada de Mãos relaciona-se de maneira paradoxal e, em certa medida, contraditória, com um dos pilares da manutenção e controle corporal ocidental: o ideal do corpo ereto.



As origens históricas da Parada de Mãos são múltiplas e fragmentadas, refletindo a natureza da pesquisa histórica sobre disciplinas circenses específicas. Elementos de equilíbrio sobre as mãos estão presentes em diversas tradições corporais ao redor do mundo, como, por exemplo, a acrobacia chinesa (baixi), com quase dois milênios de história, que frequentemente integrava exercícios de contorcionismo e equilíbrio de mãos, assim como atestam pinturas em murais desenterradas de tumbas da Dinastia Wei Oriental (534-550 d.C.).


Paralelamente, na Europa, artistas itinerantes já realizavam tais proezas antes mesmo da consolidação do circo moderno, institucionalizado no final do século XVIII na Inglaterra.


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O desenvolvimento da técnica do handstand ao longo do século XX passou por uma transformação radical: até meados do século, a forma predominante era o chamado "handstand banana", no qual o acrobata mantinha as costas curvadas e os ombros fechados. Essa postura, exemplificada por lendas como Paulinetti e Unus no início dos anos 1900, permitia o uso de grupos musculares maiores, como o peitoral, para controlar o equilíbrio, priorizando a força bruta. Paulinetti, considerado um dos maiores handbalancers de sua era, ficou famoso por proezas como o equilíbrio sobre uma única mão, um dedo ou mesmo sobre os polegares apoiados em malabares. A transição para uma forma reta, alinhada e vertical ganhou força nas décadas mais recentes. Embora influências da ginástica artística, especialmente a partir dos anos 1970, tenham impulsionado essa mudança estética, foi a consolidação da técnica russa que codificou e disseminou esse novo ideal (Handstand Technique Training, s. d.).


A técnica russa, desenvolvida e refinada nas escolas de circo estatais da União Soviética a partir de 1919, principalmente na Escola de Circo de Moscou (fundada em 1927), incorporou princípios científicos da biomecânica e uma abordagem pedagógica sistemática, rompendo com a tradição estritamente familiar do ensino circense. Esta técnica é fundamentada nos princípios de alinhamento, extensão e eficiência biomecânica. O corpo deve buscar um "empilhamento ósseo" quase perfeito, onde as mãos, punhos, cotovelos, ombros, quadril e pés se alinham em uma linha reta. Para isso, a coluna, que possui curvas naturais na postura ereta, deve ser "achatada" ou "alongada" numa posição "oca" (hollow), através da protração e elevação dos ombros, rotação externa do úmero, ativação do core e contração dos glúteos para realizar uma inclinação pélvica posterior.


Segundo Antranik Kizirian (2014):


Literalmente, queremos que os ossos fiquem empilhados uns sobre os outros para que os músculos não precisem trabalhar tanto. É assim que as paradas de mãos (handstands) podem se tornar algo que exige pouco esforço para os praticantes. Para ajudar a alcançar isso, o quadril deve estar em uma "Inclinação Pélvica Posterior", porque isso faz com que as vértebras na região lombar se alinhem umas sobre as outras. Se não tentarmos replicar essa parada de mãos reta, podemos acabar com uma parada de mãos em "banana", com as costas arqueadas – um hábito muito difícil de ser corrigido depois. Para conseguir a inclinação pélvica posterior, fique de pé e, quando você contrair os glúteos, perceba como isso faz seu quadril inclinar para trás. Isso acontece porque os glúteos são os seus extensores de quadril mais poderosos. É por isso que você deve estar contraindo os glúteos e o abdômen para travar o corpo nessa posição.

Efeito da inclinação pélvica na curvatura lombar
Antranik (2014) - Tradução: Almanaque da Cultura Corporal

O objetivo é transferir o peso corporal diretamente para o solo, minimizando o esforço muscular e maximizando a estabilidade. O equilíbrio, nessa técnica, é primariamente realizado por micro correções nos punhos e antebraços, uma estratégia análoga à "estratégia do tornozelo" na postura ereta, que exige um controle neuromuscular extremamente preciso.


Do ponto de vista biomecânico, equilibrar-se sobre as mãos é significativamente mais complexo do que manter a postura ereta. Envolve um sistema amplo de equilíbrio que integra o sistema vestibular, a propriocepção, a visão e a sensibilidade tátil nas mãos. A visão é responsável por aproximadamente metade da regulação do equilíbrio no handstand, e a inversão corporal provoca uma desorientação sensorial inicial, alterando a percepção visual do ambiente e a relação com a gravidade. O aprendizado, portanto, não é apenas físico, mas também sensorial e cognitivo, exigindo que o praticante desenvolva novos mapas proprioceptivos para o corpo invertido. O domínio da técnica reta demanda anos de treinamento dedicado, não apenas para desenvolver força e flexibilidade ativa, mas para reestruturar essas conexões neuromusculares e sensoriais.


No panorama contemporâneo, a Parada de Mãos se manifesta em uma variedade de estilos e contextos. A disciplina pode ser praticada no solo, sobre blocos, bastões que atingem até quatro metros de altura, ou empilhamentos de cadeiras que desafiam a gravidade.


Artistas consagrados como Oleg Izossimov, Andrey Katkov e Anatoly Zalievsky, todos egressos da tradição russa, demonstram como a sólida base técnica serve como alicerce para distintas expressões artísticas. Enquanto Izossimov é conhecido por suas transições lentas e linhas corporais longas e arqueadas, Zalievsky incorporou uma fluidez reminiscente da patinação no gelo, e Katkov explora narrativas temáticas em seus atos.


A partir da segunda metade do século XX, o surgimento do circo contemporâneo (ou nouveau cirque), com companhias pioneiras como o Pickle Family Circus (EUA), o Big Apple Circus (EUA) e o Cirque du Soleil (Canadá), deslocou o foco do espetáculo de feitos isolados para produções artísticas integradas, com narrativas fortes e trilhas sonoras originais. Nesse novo contexto, os handbalancers são incentivados a explorar a musicalidade, a dramaturgia e a criatividade em seus números, com alguns artistas, como Sammy Dinneen (Whats On Stage, 2018), incorporando influências de sua formação em breakdance para criar atos rápidos, nítidos e explosivos, desafiando a convenção de que a Parada de Mãos deve ser necessariamente lenta e contemplativa.



Apesar de seu crescimento global, a cultura e a infraestrutura de apoio à Parada de Mãos e ao circo contemporâneo variam drasticamente entre países. Enquanto nações como Canadá, Rússia e França possuem sistemas de formação e financiamento consolidados, os Estados Unidos, conforme analisado por Cohen (2012), enfrentam barreiras como o desconhecimento do circo como forma de arte, redes de apoio limitadas, falta de espaços de treinamento e escassez de programas de educação superior na área.


Em relação ao Brasil, no artigo “Circo: Educando entre as gretas”, Bortoleto e Silva (2017) analisam o surgimento das escolas de circo como um elemento novo e decisivo na dinâmica do circo contemporâneo, responsável por desencadear significativas mudanças na relação secular dessa arte com a sociedade. Os autores - eles próprios pesquisadores e artistas - argumentam que esse movimento foi fundamental para a consolidação e sobrevivência da arte circense no Brasil a partir da segunda metade do século XX. A forma tradicional de transmissão de conhecimento, centrada na oralidade e nos grupos familiares, tornou-se insuficiente frente às novas demandas sociais, sendo a escolarização entendida como uma necessidade para a perpetuação da arte.


A proliferação de escolas, impulsionada por instituições pioneiras como a Academia Piolin (1978) e a Escola Nacional do Circo (1982), permitiu uma expansão da linguagem circense, alcançando novos espaços e imaginários. Essa acessibilidade transformou o circo em uma opção viável tanto para fins recreativos quanto profissionais, com as formas tradicionais coexistindo com as contemporâneas. Nesse processo, emergiram novos sujeitos históricos: artistas moradores fixos das cidades, que estabelecem relações sociais, políticas e culturais distintas daquelas do circo itinerante tradicional. Consequentemente, a "serragem" – a experiência prática do circo – nunca esteve tão presente na sociedade brasileira.


Sobre a formação de novos adeptos, os autores destacam contribuições positivas e negativas. Entre as positivas, está a pluralização e diversificação dos espaços formativos, que vão desde as escolas formais e cursos livres até os projetos de Circo Social. Este último, consolidado a partir da década de 1980, tornou-se um amplo e importante espaço educativo, servindo, muitas vezes, como origem de artistas profissionais e proliferando na mídia e nos debates sobre arte-educação. Ademais, os circenses tradicionais, ao se tornarem professores, tiveram que se reinventar pedagogicamente, e as artes circenses passaram a ser recebidas de modo mais consistente pela educação formal, atraindo a atenção de professores no ambiente escolar - como é o caso do projeto Almanaque da Cultura Corporal: pensar em possibilidades de trabalho escolar com os diferentes elementos da cultura corporal.


Contudo, Bortoleto e Silva (2017) também apontam barreiras institucionais que dificultam uma consolidação plena. A relação do circo com as políticas educacionais é caracterizada como incipiente, insuficiente e, por vezes, contraditória. Centenas de escolas operam sem o devido reconhecimento formal de sua formação, o que constitui uma barreira para a ocupação de espaços na educação formal. A própria Escola Nacional do Circo enfrentou uma delicada relação político-institucional entre o Ministério da Cultura e o Ministério da Educação, obtendo o reconhecimento de seu diploma como formação tecnológica apenas em 2014. No ensino superior, o circo ainda é tratado de forma frágil e marginal, e os debates sobre a necessidade de fomentar a pesquisa artístico-acadêmica na área encontram dificuldades para convencer gestores públicos de sua importância.



Referências:


ALBRECHT, E. The New American Circus. Gainesville: University Press of Florida, 1995.


ANTRANIK. What is the Hollow Body Position and Why is it Important? 2014. Disponível em: http://antranik.org/hollow-body-position-importance/.


BORTOLETO, Marco Antonio Coelho; SILVA, Erminia. Circo: educando entre as gretas. Revista Rascunhos-Caminhos Da Pesquisa Em Artes Cênicas, v. 4, n. 2, 2017.


CARVALHO, Cleber de Sousa; NAKATANI, Lariza Zanini César; LELES, Marilia Teodoro de. Trocando os pés pelas mãos: sentidos e possibilidades da parada de mãos/“bananeira” na ginástica para todos (GPT). In: FÓRUM INTERNACIONAL DE GINÁSTICA PARA TODOS, 9., 2018. Anais [...]. Campinas: Faculdade de Educação Física, Universidade Estadual de Campinas, 2018. Disponível em: https://www.forumgpt.com/2018/arquivos/anais/09-forum-internacional-de-gpt-2018.pdf


CIRKOR.SE. Discipline - Handstand. s.d. Disponível em: https://www.cirkor.se/en/circus-disciplines/handstand/.


COHEN, A. Contemporary Circus Culture in America. 2012. 132 f. Thesis (Masters) – Goucher College, Baltimore, 2012.


DAMKJAER, C. Inversion? Circus Hand-Balancing and the Discourse of the Upright Body. Nordic Journal of Dance, v. 13, n. 1, p. 18-29, 2022. Disponível em: http://doi.org/10.2478/njd-2022–0002.


DASEN, Véronique. Saltimbanques et circulation de jeux. ARCHIMÈDE: ARCHÉOLOGIE ET HISTOIRE ANCIENNE, N° 6, p. 127–143, 2019


HANDSTAND TECHNIQUE TRAINING: an investigation into the biomechanical and somatic technique training of circus handbalancers. Historical and Cultural Background. s.d. Disponível em: https://findingabalancediiiv.wordpress.com/.


HANDSTAND TECHNIQUE TRAINING: an investigation into the biomechanical and somatic technique training of circus handbalancers. Biomechanical Analysis in relation to the Existing Literature. s.d. Disponível em: https://findingabalancediiiv.wordpress.com/.


HANDSTAND TECHNIQUE TRAINING: an investigation into the biomechanical and somatic technique training of circus handbalancers. Technique Training. s.d. Disponível em: https://findingabalancediiiv.wordpress.com/.


WHATSONSTAGE. 250 years of circus: The death defying feats of early handbalancers. 2018. Disponível em: https://www.whatsonstage.com/news/250-years-of-circus-the-death-defying-feats-of-early-handbalancers_46141/.

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