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Haka Pei

O Haka Pei constitui uma das manifestações culturais e esportivas mais emblemáticas e arriscadas da Ilha de Páscoa (Rapa Nui), desempenhando um papel central no festival Tapati Rapa Nui. Esta prática atrai tanto a comunidade local quanto visitantes, configurando-se como um evento de grande relevância para a preservação e dinamização da identidade cultural rapanui.


Origens e significado histórico

Segundo estudiosos, o Haka Pei tem suas raízes em um antigo rito de passagem. Acredita-se que a prática originou-se como uma prova na qual os jovens demonstravam "sua maturidade e coragem em um teste que envolvia uma transição da infância para a idade adulta" (Imagina Rapa Nui). Aqueles que fossem bem-sucedidos tornavam-se elegíveis para o status de matato’a, ou guerreiros.


Outra versão complementar sugere que a atividade integrava o treinamento guerreiro, servindo para incutir coragem antes dos combates entre clãs da ilha (Imagina Rapa Nui; StrayCookie).


Esta origem guerreira ressoa no contexto mais amplo do festival Tapati, descrito como um evento que apresenta "feitos de bravura semelhantes à guerra" (Maynard, 2022), possivelmente um eco da história turbulenta da ilha após seu contato com o mundo exterior.


Contexto contemporâneo: o Tapati Rapa Nui

O Haka Pei foi revitalizado e incorporado ao calendário do festival Tapati Rapa Nui há algumas décadas, tornando-se sua competição mais aguardada (Imagina Rapa Nui, s.d.; Claro, 2024).


O Tapati é um evento cultural organizado "pelos Rapa Nui, para os Rapa Nui", refletindo a natureza independente desta cultura (Maynard, 2022). É uma celebração que honra o rico patrimônio cultural através de competições físicas, artísticas e rituais, tendo a eleição da Rainha do Rapa Nui como outro elemento central, onde as candidatas acumulam pontos participando das provas (Claro, 2024). Dentro desse universo, o Haka Pei se destaca como a prova física ancestral mais importante.


A preparação para o Haka Pei é um processo imersivo que combina trabalho prático e ritual espiritual. Tudo começa com a seleção de troncos de bananeira robustos, que são transformados em uma espécie de trenó. Estes troncos são primeiramente deixados na base do morro para "absorver a energia do lugar" (Imagina Rapa Nui, s.d.; StrayCookie, s.d.), um ato que confere uma dimensão espiritual ao objeto material. Posteriormente, são unidos aos pares com cordas e estacas para formar a precária montaria, sem direção ou freios.


A preparação espiritual é igualmente meticulosa. Na véspera da competição, os competidores se reúnem em círculo para uma oração ao antigo deus Make Make, implorando pelo mana (poder espiritual) para proteção (Imagina Rapa Nui, s.d.; StrayCookie, s.d.). Realiza-se também um Umu Tahu, um curanto cerimonial para honrar os ancestrais que praticavam o haka pei (Imagina Rapa Nui, s.d.).


Nota-se um sincretismo religioso característico da cultura rapanui: enquanto realizam rituais ancestrais, muitos jovens, especialmente os estreantes, também vão à igreja católica de Santa Cruz para buscar proteção divina (Imagina Rapa Nui, s.d.). A pintura corporal, ou takona, completa a preparação. Usando pigmentos naturais (ki’ea), cada competidor cria desenhos pessoais que contam histórias, em uma prática que remonta aos guerreiros, que a usavam para aumentar a coragem e como camuflagem (Imagina Rapa Nui, s.d.).


A competição ocorre no morro Maunga Pu’i, um pequeno vulcão extinto com inclinação que pode atingir 45º. Os competidores, vestindo apenas o hami (tangas de couro) e cobertos de takona, posicionam-se no topo. Um relato descreve o momento pré-descida: "Com tambores batendo e multidões rugindo, [...] os competidores no cume do vulcão Maunga Pu solenemente uniram as mãos" em oração (Maynard, 2022). O público se alinha ao longo da encosta para assistir.


O participante se deita sobre os troncos, sendo impulsionado pelos primeiros metros por seus companheiros. A partir daí, a gravidade assume o controle. A descida de aproximadamente 300 metros é realizada em cerca de "10 eletrizantes segundos", com velocidades que podem atingir 70 a 80 km/h (Imagina Rapa Nui, s.d.; StrayCookie, s.d.).


O vencedor é aquele que percorre a maior distância a partir do ponto de lançamento. A chegada ao pé do morro é um momento de euforia e alívio, com os competidores saltando em alegria (Imagina Rapa Nui, s.d.; Maynard, 2022).



O perigo é uma característica inerente ao Haka Pei. Acidentes são frequentes, podendo resultar em ferimentos graves ou mesmo em tragédias, como o sério acidente sofrido pelo experiente Uri Paté em 2016 (Imagina Rapa Nui, s.d.). Tais incidentes periodicamente reacendem debates sobre a manutenção da prova no festival, mas a tradição e sua importância cultural têm se mostrado mais fortes (Imagina Rapa Nui, s.d.).


A prática, contudo, não está imune a transformações. Um movimento modernizador é a incipiente participação feminina, desafiando a noção tradicional de que a prova era um ritual exclusivo de "homens" (Imagina Rapa Nui, s.d.). Além disso, observa-se a transmissão do conhecimento para novas gerações, com crianças praticando uma versão leve do Haka Pei em eventos culturais, assegurando sua continuidade (Imagina Rapa Nui, s.d.).


A prova também enfrenta ameaças externas, como incêndios na colina durante períodos de seca, que já forçaram o cancelamento da competição por questões de segurança (Imagina Rapa Nui, s.d.).


O Haka Pei se apresenta como um fenômeno complexo da cultura rapanui. Mais do que um simples esporte extremo, é um objeto da identidade cultural que conecta o presente ao passado guerreiro da ilha.


Sua prática envolve uma rede de significados que vão desde a preparação espiritual e o sincretismo religioso até a demonstração pública de coragem e habilidade física. Inserido no contexto do festival Tapati, o Haka Pei funciona como um potente mecanismo de reforço comunitário e preservação cultural. Apesar dos riscos e dos debates que gera, sua persistência e adaptação – incluindo a discussão sobre gênero e a pedagogia para as crianças – indicam seu profundo valor como tradição viva e dinâmica para o povo Rapa Nui.


Como sintetiza um participante, a experiência vai além da adrenalina; é um ato de comunhão, como expresso por um competidor que realizou a descida em homenagem à sua mãe falecida, completando, ao chegar são e salvo, uma poderosa "comunhão com seu ancestral recentemente falecido" (Maynard, 2022).


Referências


CLARO, Hernan. Ancestral competitions in Tapati: Tradition, strength and culture. Chile.travel, 2024. Disponível em: https://chile.travel/en/travel-log/ancestral-competitions-in-tapati-tradition-strength-and-culture/.


Haka Pei, the extreme sport of Easter Island. Imagina Rapa Nui. Disponível em: https://imaginarapanui.com/en/haka-pei-the-extreme-sport-of-easter-island/.


MAYNARD, Matt. A crazy sport created by isolation. BBC, 2022. Disponível em: https://www.bbc.com/travel/article/20160304-how-polynesian-warriors-party.


The Art of 'Haka Pei'. StrayCookie. Disponível em: https://straycookie.com/blog/f/the-art-of-haka-pei.

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